sexta-feira, 25 de julho de 2008

1ª Parte-A minha Avó...(texto muito pesado)!


Desculpem por mais este longo interregno e peço a compreensão mas escrever não é o maior dos meus dons e preciso de sentir calma e tranquilidade para descrever aquilo que vou sentindo! Acreditem ou não, a luta pela sobrevivência absorveu-me de tal maneira que me foi tirando algum discernimento durante este tempo para pensar objectivamente sobre aquilo que me vai na alma... Nestas alturas penso mais na minha Avó. Se não tivesse sido ela, não seria nada do que sou hoje. Muitos dos valores que transmito aos meus alunos, os cenários que lhes vou conseguindo descrever, são aqueles com os quais fui tendo o prazer (quer por ela ou pelos meus pais) de ser presenteado ao longo do meu crescimento! Ela é responsável por eu dizer muitas vezes que acho que nasci umas décadas à frente daquilo que deveria ter nascido. Nasceu numa aldeia - Almendra(Aldeia que pertence ao Concelho de Vila Nova de Foz Cõa e que actualmente contará pouco mais que mil habitantes no seu espaço). Fez a 4ª classe, e foi governanta na casa de uma família então influente. Casou mas 2 anos depois viu-se só com dois filhos para criar (minha mãe e meu tio). Nunca virou cara à luta e sempre com o olhar mais bondoso que guardo para sempre na minha memória. Depois de criados os filhos viveu sempre connosco (minha mãe-sua filha mais nova, meu pai, eu e a minha Irmã) e foi a única pessoa da casa que nunca tinha conflitos com ninguém. Aquilo que muito contribuiu para o que sou hoje, foram os 3 meses de férias de Verão que todos os anos eu e a minha irmã ansiavamos por passar com ela nessa Almendra onde ainda se vivia à moda bem antiga. Lá passei alguns dos momentos que me ajudam a sobreviver num mundo que está sem ponta de dúvida um pouco doente…! A casa de Almendra não tinha luz, não tinha água, e pior que tudo não tinha casa de Banho (esta última parte não traz muito boas recordações). Comiamos à luz de Candeias de Petróleo, tomávamos banho numa bacia à moda de Luís XIV com água vinda do chafariz do centro da vila e posteriormente aquecida nas brasas de uma fogueira na lareira da cozinha. Na Aldeia só havia 2 ou 3 Televisões o que quer dizer que se juntavam multidões em casa dessas pessoas para ver a telenovela do 1º canal (eu era o único que apanhava. Depois era vulgar o sentar nas escadas do calvário (monumento mais conhecido de Almendra) a conversar em comunidade.Era uma comunidade constituída por gente de 3ªa idade, toda ela pouco alfabetizada, gente da terra. Davam o que podiam dar com amor, sem esperar nada em troca.De manhã acordava com o bater de porta da minha avó que anunciava que trazia o leite fresquinho vindo da vaca do vizinho. Junto com umas maravilhosas torradas ao lume barradas por uma manteiga (que nunca tinha visto frigorífico à frente) era um pequeno almoço digno de um hotel ****** no Dubai. Este último (o Frigorífico) era o de um dos vizinhos onde só pedíamos para pôr a carne ou o peixe. Como eu e como a minha irmã, havia um sem número de netos e bisnetos que passavam lá os verões brincando no meio da terra, com carros, ferros, berlinde e com fisgas feitas pelo meu Tio Chico. A nossa piscina era o tanque gigante da Sra Laurinda, e era vulgar a queda no meio das urtigas…Acho que aprendi aí o conceito do que é ser verdadeiramente feliz com muito pouco e a importância que a comunidade tem nesse conceito de felicidade . Devo dizer que ela (a minha Avó) conseguiu transportar para a “cidade” o modelo de vida de “Almendra” e tenho a certeza que foi feliz até ao último dia. Feliz sem ter nada de material, sem ter que se preocupar com progressões na carreira, com o dinheiro no banco para a prestação da casa, ou com olhares desconfiados da feroz concorrência. Ela foi feliz a ter que se preocupar única e exclusivamente em dar o amor suficiente à família dela, fosse fazendo as bôlas de azeite de que tantas saudades tenho, ou dando um daqueles abraços que guardo com todas as minhas forças numa memória cada vez menos nítida.
Infelizmente já cá não está, para me orientar num mundo que cada vez percebo menos. Gostava de voltar a ser criança por momentos, só mesmo para voltar a respirar um pouquinho da infância “perfeita” que tive a sorte de ter…Não é possível e resta-me tentar fazer pelos outros, aquilo que fizeram por mim. Acho que o grande desafio da minha vida é conseguir fazer isso pelos que me rodeiam, mas cada vez é mais difícil, pois o meu filho fica “preso” numa escola o dia inteiro, as “Almendras” estão a desaparecer e foram substituídas por praças de alimentação de shoppings, a comunidade de então por multinacionais que dão tudo exigindo o dobro em troca, não tenho tempo para me sentar descansado com ninguém sem olhar para o relógio do telemóvel e agora toda a gente tem um LCD em casa…

Vou continuando a tentar…

Obrigado Avó

4 comentários:

Carla M. disse...

Não tens jeito para escrever? Onde é que ouviste dizer isso?

Podes até não ter jeito para escrever tudo direitinho, com as vírgulas no sítio, mas tens, concerteza, muito para contar.

Adorei ler este post e confesso que fiquei com a lagrimita no canto do olho, lembrando-me eu, também, dos fins de semana e Verões passados na terra dos meus avós.

Obrigada pot me fazeres lembrar isso, Nuno.

:D

Beiinho

Unknown disse...

Quando no 2º andar se ouvia: NUNO LUIS!, já se sabia que a coisa estava a ficar preta para um certo tipo com o cabelo aos caracóis.

Anônimo disse...

ola Almendrence foi com muito prazer que li estas linhas sobre Almendra .sabes que a nossa terra apesar de ter ja luz agua .... a vida é sempre simples modou mas nao tanto como isso .

Rui Gonçalves disse...

Olá Nuno,

Não sei bem que idade tens, mas devemos nos ter cruzado muitas vezes em Almendra. Pela descrição "vivias" os Verões perto do Calvário e eu "viva-os" lá mais para baixo perto do Solar do Visconde. Ainda hoje vou a Almendra muitas vezes e espero conseguir transmitir ao meu filho (em breve serão dois) o prazer de lá ir e da vida simples numa aldeia.

Quando lá fores diz qq coisa, podíamos nos encontrar no Calvário, porque os meus pais agora têm uma casa perto do cemitério.

O meu mail é ruigo@ruigo.net.

Abraço
Rui